Nico, o compositor de trilhas sonoras.
Primeiro vieram as canções do Musical Saracura, ouvidas num LP comprado com as economias da mesada. Pouco depois, um show do Tangos e Tragédias, quando ainda cursava jornalismo na UFRGS. Dez anos mais tarde, trabalhando na produtora Zeppelin, acompanhei a gravação do clipe de "Só cai quem voa".
Três lembranças distintas que revelavam para mim, uma realizadora audiovisual, várias facetas do artista que era o Nico. Perceber e acompanhar a trajetória de um músico tão diverso e talentoso foi a deixa para convencer a produtora de A Invenção da Infância a contratá-lo para outra empreitada: compor a trilha sonora do nosso filme. Afinal, se ele mandou bem como cantor e compositor do Saracura, se foi capaz de criar um universo próprio para o maestro Pletskaya em Tangos e Tragédias, e fez poesia com a canção Só cai quem voa, deduzi que ele tiraria de letra uma trilha para cinema. E o que ele fez para o filme virou referência para tantos outros projetos da produtora.
No mesmo ano de A Invenção da Infância, o chamamos para compor a trilha de O Branco, curta que co-dirigi com a Angela Pires. Na época, usávamos durante a montagem músicas de referência, para ajudar a criar o clima que esperávamos alcançar com o filme. Um recurso que eu, particularmente, não gostava muito. A gente escolhia referencias incríveis, se acostumava com elas, e quando o compositor entregava a trilha composta, era sempre uma experiência decepcionante. Ou quase sempre. Quando o Nico nos mostrou o que tinha feito, a composição superou de longe as referencias e as nossas expectativas.
Nico misturava o rigor de uma formação clássica, com a mais pura invenção e subversão. Sabia onde colocar os ruídos, as melodias e o silêncio. Fazia questão de gravar uma composição para piano com o saudoso mestre Sfoggia no palco do Salão de Atos da Puc, que iria conferir um resultado melhor ao trabalho. Mas se a única possibilidade fosse levar o teclado para o estúdio, ele então gravaria de primeira a música composta para os créditos finais.
De la pra cá, chamamos o Nico em quase todos os projetos. Para o Continente de Erico, para o Cárcere e a Rua, Para O Menino. Chegou a gravar um "lá lá lá" inconfundível que faria a diferença na trilha de Amigos Bizarros do Ricardinho, do Canani. No último projeto, a minissérie Notas de Amor, as coisas se inverteram: não mais a história daria sentido e direcionamento à composição, mas as canções do Saracura que serviriam de inspiração para a narrativa da minisserie.
Neste projeto, queriamos mais, queríamos muito: além da série de TV, pretendíamos regravar as músicas, montar um show, produzir um documentário. Todas as etapas do projeto eram motivo para reuniões da equipe, que eram motivo de alegria, que eram motivo para chás, gargalhadas e chocolate. Só não tivemos tempo de fazer tudo isso. Nico se foi, antes de concluirmos o projeto. Mas o que ele já tinha feito, foi suficiente para inspirar o Fernando Pezão, o Claudio Levitan, o Silvio Marques, o Everton Rodrigues, o Thedy Correa, o Humberto Guessinger, o Arthur de Faria, o Luciano Albo. Músicos de primeira que reinterpretaram as canções e criaram uma trilha sonora inesquecível. A serie ficou pronta e sabíamos que ele estava lá. Nico presente, sempre. Afinal de contas, artista que é artista, nunca sai de cena.
TEXTO POR LILIANA SULZBACH